Prós e contras da resolução que cria a política antimanicomial do Judiciário

Podem esses atos ficar na sombra ou, mais radicalmente, na mais completa escuridão? Seria verdadeiramente, como às vezes se argumenta, para assegurar o procedimento avaliativo? Nesse caso, assegurar exatamente o quê?

Seria, como às vezes argumentam, para proteger a vítima? Mas não é a presença do réu que se discute. Trata-se da assistência técnica, do consulente de parte, do advogado(a). Da presença — e apenas da presença — daqueles que têm a missão de observar e se manifestar precisamente sobre aquilo que a perícia produz: o rapport, a metodologia, as perguntas formuladas, as eventuais heurísticas (viés confirmatório, hipótese única, raciocínio circular, algum tipo de indução, perguntas inadequadas, dentre outros aspectos do procedimento). Em síntese, do direito de exercer plenamente o papel que a lei atribui ao assistente técnico, que atua em uma linha de continuidade da defesa. Portanto, ao abrigo dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Entretanto, como exercer o princípio do contraditório, inerente ao processo, se a perícia ocorre a quatro paredes? Como saber se as perguntas feitas pelo expert foram neutras e apropriadas e não tendenciosas ou contaminadas?

Só há uma forma de saber: se a avaliação for transparente, clara e assistida.

Em outras palavras, se for um ato ético no sentido específico do termo, ou seja, um ato aberto. Não enclausurado.

Por outro lado, os experts também devem ser socráticos: saber que não sabem. Porque há uma grande diferença entre aqueles que não sabem que não sabem e aqueles que sabem que não sabem. Estes permitem a crítica, os outros tomam-na como ofensa.

Portanto, a dimensão ética da perícia forense é ser conhecimento aberto no sentido socrático e não uma instrumentação fechada, hermética, encerrada em si mesmo.

Essa concepção configura um paradigma jurídico, mas também filosófico e epistêmico, e deve estar presente em todas as disciplinas da chamada área “psi”, que não devem esquecer que, em direito, a forma é uma garantia.

No Brasil, parece que tanto os psiquiatras quanto os psicólogos são preparados do ponto de vista técnico para atuar na área clínica. Entretanto, na maioria das vezes, nem uns nem outros conhecem os princípios básicos para exercer a psicologia forense, onde a forma precisa ser respeitada acima de tudo. Acima de todos os interesses, pois a forma foi constituída como garantia do devido processo legal.

Se na clínica é o doente que se expressa ou se incrimina pelas suas falhas conscientes ou inconscientes (lapsus linguae e outros), na área forense é o Estado que detém a persecução do arguido com todas as suas forças e com todos os seus tentáculos. E, nesse momento, o perito faz parte desse mesmo Estado, exercendo funções em nome do Poder Judiciário.

Para ser irrepreensível, a perícia terá de ser não só neutra no sentido de equidistante das partes, mas também aberta, afastada de qualquer escuridão ou magia. Aberta à visibilidade processual que somente se alcança através do exercício pleno da ampla defesa e do contraditório. De considerar que a subjetividade é própria da clínica, mas completamente estranha ao direito processual penal no sentido de que este cada vez mais se aproxima da cientificidade e, portanto, da objetividade.

Nesse aspecto, pode-se afirmar que a clínica é autônoma, enquanto a psicologia forense é heterônoma. Na clínica, a discursividade e a imputação são interiores e subjetivas, provêm do mundo interno do sujeito. Porém, na área forense, a imputação vem de fora para dentro da pessoa. Por isso, a prova, mesmo psíquica, deve estar aberta para o exercício com plenitude pela defesa. Para isso, deve ser pautada objetivamente e fundamentada em sua metodologia e conclusões.

Tais aspectos configuram uma garantia de ordem pública, pois a perícia é sempre um meio de prova. E qualquer prova, seja policial ou judicial, pré-processual ou processual, está sujeita a uma contraprova. É inerente à prova a possibilidade ontológica de ser contestada. Se a prova não for passível de uma contraprova, não será propriamente uma prova, mas um dogma, algo que se impõe e que deve ser aceito imperativamente, que não pode ser discutido.

Ademais, a regra da possibilidade de contraprova vale desde o início de sua produção e não apenas para o final, quando o ato já estiver consumado. Ao fim, não se sabe mais o que aconteceu antes e o que determinou a conclusão de um procedimento pericial que se processou de maneira oculta.

Se na prática clínica a subjetividade se constrói com o outro, no campo forense essa construção não pode prescindir da forma. Pois, nesse caso, a forma é uma garantia do sujeito frente ao poder externo da lei. Na seara da psicologia forense, a subjetividade não se estabelece entre indivíduos ou particulares, nem no campo do desejo, mas em torno do público, onde a regra é a ética da transparência em todos os atos, desde o começo até o fim.

Portanto, a relação (subjetividade) em matéria pericial não é uma construção qualquer, mas uma construção com o outro perante a lei. Eis aí a diferença. É uma relação pautada pela força da lei que prevalece, tanto para o perito, quanto para o examinado. Uma construção mediada pela lei, onde a forma é sempre garantia.

Jorge Trindade é advogado e psicólogo.

Pós-doutor em Psicologia Forense pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal), onde leciona a disciplina de Perfis Criminais no Mestrado em Criminologia.

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